Durante a referida greve, pipocaram artigos em jornais, revistas, blogs, e em hieróglifos cuja autoria é atribuida à Cleópatra, que os grevistas não deveriam receber pelos dias parados. É claro que isso me atingiu, pois como todos sabem, tenho uma carreira promissora de carimbador num importantíssimo órgão público. Essa seria a fria lógica capitalista, diriam alguns; nada mais justo, diriam outros. Vamos raciocinar, digo eu!!!
Em que se baseiam as greves? Na questão salarial, seria a falta de reajuste ou reajuste insuficiente ante a inflação de um determinado período. Exemplo: se a inflação dos últimos 10 anos foram de 60% e o reajuste salarial nesse período foi de 10%, então houve perda salarial de 31,25%, creio eu. Numa greve, a produção pára, o dinheiro não entra, o patrão não ganha, ninguém ganha e, portanto, os grevistas também não devem ganhar. Ganhar sem trabalhar é férias, dirão alguns. Verdade, mas vamos analisar uma situação nem tão hipotética assim. Peguem papel, lápis, calculadora e um supercomputador da NASA!!!
Vou usar como exemplo hipotético, uma empresa de ônibus. Seu lucro vem das passagens (ou tarifas) dos passageiros. Digamos que a folha de pagamento seja responsável por 25% dos custos da empresa (não sei nem a média aproximada disso, mas não importa). Se num certo período, a inflação for de 100% e o reajuste salarial for de 30%, de quanto foi a perda, ou o que me interessa, QUANTO QUE O PATRÃO EMBOLSOU? Depende de quanto foi o "reajuste" dos demais custos (óleo díesel, pneus, seguros, luz, água, telefone, etc...). Então, vamos dar um reajuste qualquer: 120%, pois lembremos que o índice de inflação é apenas uma média, o que significa que algumas coisas subirão acima ou abaixo desse índice. Nesse exemplo, o patrão embolsou o equivente a 1,26% dos custos totais. Se o "reajuste" dos demais custos for de 100%, como a inflação, então o patra embolsou 9,58% do custo atual. O correto é que esse embolso seja 0!!!
Não, não irá para o bolso do patrão todas as nossas perdas. Esqueça esse negócio de mais-valia!!!
Como calculamos tudo isso???
1) Escolha um período qualquer (normalmente, do último aumento ou reajuste até hoje).
2) Calcule o total salarial (a folha de pagamento) do começo do período com a inflação do período. Assim:
- total de salário inicial do período x (1 + inflação)
Lembrando que a inflação da equação é aquele percentual dos jornais dividido por 100. Se a inflação for de 50%, nessa equação ela será 0,5. Exemplo: Se o total salárial lá no começo for de R$ 150.000,00 e a inflação do período for de 50%, então seu atual salário deveria ser de R$ 225.000,00.
3) Pegue esse valor e diminua pela atual folha de pagamento.
O resultado seria o valor supostamente embolsado pelo patrão, mas como disse antes, esqueça esse negócio de mais-valia. Agora, faça a mesma coisa com o custo total e compare os resultados. Se os valores são iguais, então o patrão embolsou o salário. Tudo isso considerando que a receita somente e sempre acompanhará a inflação!!!
Teoricamente, é possível que o patrão não tenha embolsado nada, o que no meu ver, faria de uma greve algo quase injusto; ou então, não embolsou o suficiente para repôr os salários. Mas basta que o patrão apresente suas planilhas de custo do período e prove que não ganhou nada ou o que ganhou não seria suficiente para repôr as perdas salariais. A outra possibilidade, é que o patrão embolsou até mais do que supõe sua vã filosofia. Se for esse o caso ou o caso do parágrafo anterior, então aí é que entra a história de receber ou não o salário dos dias parados!!!
O trabalhador entra em greve, não produz, não gera renda para a empresa, o patrão não ganha, e por consequência, o trabalhador não deveria receber. Mas...E COMO FICA ESSE DINHEIRO QUE O PATRÃO GENEROSAMENTE EMBOLSOU? Não teria o trabalhador, nesse caso, direito a esse retroativo? Ou ao menos, parte dele, até onde é possível pagar? Essa é a lógica do sistema capitalista também, ou ao menos, é a lógica de mercado, senhores jornalistas e colunistas. Como o trabalhador grevista não receberá esse retroativo, então, nada mais justo que ele continue recebendo o salário dos dias parados; pelo menos, até determinado período, não é mesmo???
E para finalizar, queria sugerir outra idéia aos salomônicos jornalistas e colunistas: caso o grevista não deve receber pelos dias parados, seria justo, também, que quem não entrasse em greve não recebesse aquilo que foi adquirido com a mesma. Com o não pagamento de salários dos dias parados, vários deixarão de fazer greve, receberão normalmente seus salários e ainda serão recompensados sem nenhum ônus???
Bem, pessoal, é isso aí. E a luta continua!!!