domingo, 23 de fevereiro de 2020

Meia-entrada procede ou não?

Em postagens anteriores, falei que certos assuntos são amplamente debatidos por um tempo, cai no esquecimento e voltamos a discuti-los novamente. Por consequência, até essa minha afirmação está entrando nesse processo. A questão da meia-entrada em cinemas é um desses assuntos, mas é a primeira vez que falo sobre isso. Muitos ou todos os economistas afirmam que a meia-entrada não paga pelos estudantes é repassada para os demais, aumentando o preço geral. Tenho minhas dúvidas quanto a isso e sobre a necessidade desse repasse.


Parece uma coisa simples, mas não é. Como foi feito essa redução e esse repasse? Uma empresa de cinema cobrava, digamos, R$ 30,00 o ingresso para todos. Aí, veio uma lei que obriga a meia-entrada para estudantes, que pagarão R$ 15,00. Se houver o repasse dos outros R$ 15,00 por estudante aos demais, o valor do ingresso inteiro será superior a R$ 30,00, pois são os R$ 30,00 anteriores mais os R$ 15,00 não pagos por estudante repassados aos demais. O novo valor depende da proporção de estudantes/não-estudantes. O dono do cinema fará o que poderá fazer: reduzirá em 1/3 para os estudantes e aumentará 1/3 para os demais. Agora, a meia-entrada custa R$ 20,00, e a entrada inteira, R$ 40,00. Meia-entrada, mas com um valor maior.



Proporção de estudantes


Esse é um fator importante para calcular a arrecadação do cinema e o repasse dos custos da meia-entrada. O problema é que essa proporção é variável, talvez nem tão variável para cada tipo de filme (sim, tem mais isso), mas sabemos que não é algo fixo. O custo do terço aos demais procede se a proporção de estudantes for de 50% (e 50% dos demais). Se a proporção for menor, o terço repassado custará menos aos demais; se for maior, custará mais. Se tivermos 20% de estudantes, o terço descontado para a meia-entrada custará menos de 10% aos demais (1/3 do valor não arrecadado dividido pelo número dos não-beneficiados). Usando os valores supracitados, se a meia-entrada for para R$ 15,00, os demais deverão pagar R$ 18,75. Isso seria um repasse normal, onde o dono do cinema não perderia nada, mas para que os R$ 15,00 sejam de fato uma meia-entrada, é necessário que os demais paguem R$ 30,00. Não foi só um repasse, mas um ágio.



Elasticidade preço da demanda.


Existe na economia o conceito das elasticidades. No caso da elasticidade preço da demanda, ela mede a variação da venda de um produto quando varia seu preço, no sentido contrário, claro. Uma elasticidade -1, por exemplo, significa que a venda teve a mesma variação que o preço. Se o preço aumentou 50%, então a venda reduziu 50%. Numa elasticidade de -0,5, então a venda reduziu 25% quando o preço aumentou 50%.


                                                                       . . .



As únicas certezas que temos é a capacidade das salas - outro fator importante para o dono do cinema calcular sua  arrecadação esperada -, e a mudança da quantidade do público quando o preço altera.


Um repasse dos custos da meia-entrada faz sentido se a elasticidade preço da demanda for inferior a -2, ou seja, se uma redução de 50% resultar em um aumento de público inferior a 100%. Essa elasticidade é condição necessária para o dono do cinema não perder arrecadação. Se for o caso, a meia-entrada pode ser dada a todos, não apenas aos estudantes, mas aí deve haver outra condição: o público com o valor normal não pode ultrapassar a metade da capacidade da sala, pois se dobrar o público, não haverá espaço para todos. Lógico. A capacidade do cinema é o limitador.


É muito provável que sua elasticidade seja inferior a -2, mas então, o que justificaria o repasse. Então, qual é a elasticidade correta? Qual é a proporção dos beneficiários pela meia-entrada? Nada disso sabemos, até porque a elasticidade não é um valor exato e a proporção de beneficiados é variável. A meia-entrada não será em relação ao preço antigo, mas a um novo preço.


Vamos aos desenhos:


Temos um cinema com capacidade para mil pessoas.


Situação 1:

Número de estudantes: 500
Restante do público: 500
Ingresso normal: 30
Arrecadação: 30.000

Com a meia-entrada sem repasse

Número de estudantes: 800
Restante do público: 200
Ingresso normal: 30
Meia entrada: 15
Arrecadação: 18.000


Houve uma redução (perda) da arrecadação, e o dono do cinema não deixará por isso mesmo. Se repassar os R$ 15 que perdeu aos demais, cada um pagará R$ 15,00 a mais.



Com a meia-entrada repassada

Número de estudantes: 500
Restante do público: 500
Ingresso normal: 45
Meia entrada: 15
Arrecadação: 30.000


Isso fere o próprio conceito de meia-entrada, pois aí temos um terça-entrada.


Notem que não houve variação do público. Se o preço da entrada diminui para estudantes, é de se esperar que aumente a quantidade de estudantes e diminuir o restante do público. Supondo que a elasticidade preço da demanda seja -1,2; então teremos outra situação.



Situação 2:

Número de estudantes: 500 
Restante do público: 500 
Ingresso normal: 30
Arrecadação: 30.000

Com a meia-entrada

Número de estudantes: 800
Restante do público: 200
Ingresso normal: 30
Meia entrada: 15
Arrecadação: 18.500


Houve uma redução (perda) da arrecadação, e o dono do cinema não deixará por isso mesmo. Para não ter prejuízo, terá que repassar R$ 60,00 aos demais.



Com a meia-entrada repassada

Número de estudantes: 800
Restante do público: 200
Ingresso normal: 90
Meia entrada: 15
Arrecadação: 30.000


Isso fere mais ainda o próprio conceito de meia-entrada, pois aí temos um sexta-entrada.


Notem a dificuldade dessa questão. Isso que usei metade-metade do público. E se acabarmos com a meia-entrada, como ficará? Reduzirá a quantidade de estudantes e aumentará a quantidade dos demais, o que dará um "equilíbrio", mas não sabemos se o dono do cinema arrecadará mais ou menos que antes, dificilmente o mesmo valor. Não é algo tão simples quanto parece.


Como todos, defendi o fim da meia-entrada sem pestanejar, mas agora estou na dúvida se vale a pena ou não. Alguém já fez estudos sobre isso?




segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Nazismo

Na semana retrasada, o então Secretário da Cultura, Roberto Alvin, fez uma declaração onde parafraseia o Ministro da Propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels. Desde então, recomeçou uma discussão sobre nazismo e puxaram o comunismo para a briga. "Nazismo x Comunismo", "Nazismo é de direita ou esquerda?" e "Aquecimento Global/Mudanças Climáticas" são assuntos que aparecem e reaparecem de tempos em tempos, e nada de novo para acrescentar a eles, sempre as mesmas coisas. Aqui, pelo menos, abordo perspectivas que passam despercebidas pelos demais.



A frase parafraseada por Goebbels, 



“A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional, será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional, e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo, ou então não será nada”.


A frase original é:



"A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada”.



Associe isso a um fundo musical composto por Richard Wagner, o compositor preferido de Hitler, e pronto, temos a mais perfeita manifestação do nazismo na mídia e na internet. Sem querer defender o então secretário - critiquei-o por sua política de "produção de cultura conservadora" ou coisa do tipo, como se coubesse ao Estado produzir cultura - mas nazismo não é isso, nazismo é outra coisa, muito pior.



A declaração de Alvim, se desconhecêssemos o autor e sem a tal música de fundo, poderia ser de autoria de qualquer responsável pela cultura de um regime totalitário. Acredito que algum secretário de Stalin tenha dito algo parecido, embora não tenha usado essas palavras, mas nem por isso se tornou nazista. A arte é patrimônio nacional, de qualquer nação, que pode ser controlada por qualquer governo mais assanhadinho, tanto nazista, quanto comunista, ou fascista, ou integralista ou qualquer outro "ista" que imaginarmos. Até bolivarianista e peronista. 



Mas então, Alvim não é nazista? Não sei, só sei que tal declaração não faz de ninguém um nazista, mesmo que acompanhada de uma música que já foi tocada em propaganda de produto de limpeza. O que caracteriza o nazismo é a crença da raça superior - a deles - e o detrimento das raças "inferiores" - todos os demais. No sentido político, o nazismo é aquele regime que persegue preferencialmente judeus e mata-os, mas em essência, qualquer regime que prega a superioridade da sua etnia e o desejo de eliminar os "inferiores" já pode ser considerado um regime nazista. Ou isso, ou ninguém daria atenção ao nazismo.



O regime do Apartheid, na África do Sul, por exemplo, poderia ser considerado um regime nazista: um povo declarado superior que segrega o povo "inferior". Não exterminou parte da população negra - pois o extermínio nazista pode ter sido um projeto político do "Führer", não que faça parte do nazismo - mesmo assim, é um regime nazista. Um "nazismo moderado", por assim dizer, assim como temos o "comunismo moderado" ou um "islamismo moderado". Se a Klu Klux Klan tivesse tomado o poder nos EUA, certamente seria um regime nazista, só não sabemos se iria exterminar ou reescravizar a população negra, mas em essência, eles já são nazistas. Até o governo hutu de Ruanda em 1994 pode ser considerado um regime nazista: uma etnia que perseguiu e prendeu pessoas de outra etnia, e ainda matou 800 mil pessoas em apenas 3 meses, um ritmo superior ao dos nazistas. A grande diferença é que talvez não se tratava de "superioridade" em relação aos tutsis, mas de ressentimento ou vingança. Ressentimento: Hitler usou o ressentimento da população alemã em relação aos judeus, e assim começou tudo.



Em outra postagem, arrisquei palpitar sobre o porquê odiamos o nazismo. Não, não é porque respeitamos a vida - na verdade, muitos odeiam os judeus tal qual os nazistas. Muitas pessoas que são contra a pena de morte são favoráveis a fuzilamentos de "nazistas", por exemplo. O primeiro motivo é que não podemos ser nazistas, e se não podemos ser nazistas, somos alvos deles. Mas nós podemos ser comunistas, e Hitler ousou invadir a sagrada URSS, governada pelo divino Stalin, os únicos que nos aceitam como seus filhos.



Quantas pessoas repetiram essa frase "uma mentira repetida mil vezes se torna verdade"? É uma citação de Goebbels. Então sois nazistas, ou tem que ter a música de Wagner tocando no fundo? Aliás, de tão repetida essa frase e considerada verdadeira, não sei se era uma mentira que se tornou verdade.