sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Estuprando Estatísticas - II

Sempre que volto a comentar sobre um determinado assunto, repito o título e acrescento algum número romano em seguida. Normalmente, essas continuações são um complemento de um assunto já abordado, mas nesse caso, é sobre a repetição de um erro que volto a falar. A primeira postagem sobre um assunto semelhante pode ser lida aqui. Para saber um pouco mais sobre a nossa visão estatisticoscópica, leiam aqui!!!



O DataFolha fez uma pesquisa de opinião pública sobre estupro. O entrevistador  fez a afirmação A mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada, e o entrevistado(a) deveria dizer se concordava (sim) ou não. Segundo os resultados, 30% afirmam que sim, o que causou um justíssimo alvoroço entre os componentes mais esclarecidos da sociedade. Mais uma vez, quero chamar a atenção não da polêmica em si, mas da abordagem e da conclusão estatística que deveríamos tirar!!!



A mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada lembra nossas mães falando da boca prá fora depois não reclama se ficar doente. Não que ela se eximia de qualquer responsabilidade ou cuidados caso ficávamos doentes, mas o objetivo era nos desencorajar a tomar banho de chuva ou banho frio. Então, fica meio estranho isso. Outro exemplo: se alguém me perguntasse se eu concordo com a afirmação bandido bom é bandido morto, o entrevistador errônea ou maliciosamente, concluiria que sou a favor da pena de morte. Não necessariamente. Eu simplesmente não gosto de bandidos e não me importo se morresse por morte natural (alguém já viu um bandido morrer por morte natural?), acidental, morto por companheiros, Poderia até me posicionar contra a pena de morte. Ou então poderia ser favorável mesmo à pena de morte. Notaram a pegadinha? Para saber mais sobre o assunto, leiam aqui. Se eu fosse fazer uma pesquisa por conta própria, perguntaria - pergunta! - algo do tipo uma vítima de estupro deve ser culpada ou 'mea-culpada' pelo crime que sofreu e arcar com as consequências?, caso necessário, eu desenharia a pergunta para não ficar dúvidas. !!!



Sobre o resultado da pesquisa. 30% concordaram com a maldita afirmação, e isso causou o justo alvoroço entre os componentes mais esclarecidos da sociedade. Eu pessoalmente acho um percentual relativamente elevado, mas não a ponto de provar que há uma cultura do estupro. Cultura de um povo não se faz com 30% da população. Eu poderia sacar o "argumento das minorias", algo do tipo mas são uma minoria que..para minimizar o problema, mas no momento que afirmo que é um percentual relativamente elevado (ou talvez não, como explicarei mais adiante), essa desculpa é anulada. Também não posso me refugiar na contra-argumentação do "70% disseram 'não' à maldita afirmação", pois o objetivo da pesquisa é descobrir quantos concordam com a maldita afirmação, e não quantos discordam!!!



Mas 30% de sim à maldita afirmação é um número objetivamente escandaloso, assustador? Resposta: depende. O percentual de uma observação isolada não nos diz muita coisa. Para uma conclusão mais acertada, além de fazer perguntas objetivas, precisamos saber: 1) qual seria o percentual de sim há três, quatro ou cinco décadas atrás? E: 2) qual é o percentual de sim em outros países? Começando pelo 1: se o percentual de sim há quatro décadas atrás fosse de 80%, então os atuais 30%  são um verdadeiro avanço civilizacional. Se esses mesmos 80% fossem nos anos 1990, teríamos uma queda de 50% do total em apenas duas décadas; os atuais 30% indicariam que sofremos uma mutação psicossocial que nos fez subir um ou dois degraus na escada evolucionária, seríamos uma raça superior. Exemplo número 2: uma pesquisa semelhante seria feita em mais de 70 países, por coincidência, os mesmos onde se bebe Tang. Se no país menos machista da lista, seja lá qual for, o percentual de sim for de 25%, e o mais machista, de 90%, então o Brasil seria um dos países menos machistas do mundo, apesar do elevado percentual de 30%. Expus até aqui possibilidades otimistas, mas talvez não seja assim. Então vamos ver todas as possibilidades e as conclusões que podemos chegar com cada uma delas, utilizando aquela pergunta: uma vítima de estupro deve ser culpada ou “mea-culpada” pelo crime e arcar com as consequências? Em comparação com outros anos, no Brasil, teríamos uma dessas conclusões (no exemplo abaixo, o ano é 1976):






Agora, imagine a mesma pergunta sendo feita nos mais de 70 países do Tang. Se num ranking decrescente, o Brasil estiver entre os últimos colocados com seus 30% de sim, então somos um dos países menos machistas do mundo; caso estiver entre os primeiros, somos os ogros machistas que tanto falam!!!



E então, os 30% de sima uma maldita afirmação são escandalosos? Pessoalmente, como já disse, acho que são, mas devido às limitações estatísticas expostas, não posso afirmar isso com 100% de certeza. Estou - estamos - limitados ao achismo, impressões pessoais e sentimentos!!!



Sempre irão existir boçais que concordarão que a mulher será, pelo menos, corresponsável pelo crime que sofreu. Seria pedir demais que o percentual dessas pessoas beirasse o 0%, mas esperava que esse número não passasse de 5%. E talvez o número real não passaria disso se fizessem as perguntas - perguntas! - certas!!!