Meritocracia existe ou
não existe? Essa é uma dúvida que atormenta a comunidade
internética e além, causadora de pequenas celeumas que podem
resultar desde uma dor de barriga por nervosismo até em divórcios.
O que mais leio por aí são pessoas afirmando que meritocracia não
existe, usando provas incontestáveis como a foto de pessoas
faveladas, numa tentativa de parecer irônica, afirmando que elas estão assim porque não se esforçaram
o bastante; ou mostrando notícias de indicações políticas
baseadas no apadrinhamento, não nos méritos. Essas situações, dizem, comprovam que
meritocracia não existe!!!
Mas o que seria essa tal
meritocracia? Basicamente, é um conceito na qual as posições cobiçadas são ocupadas por pessoas que satisfaçam os requisitos
exigidos, normalmente adquiridos pelo “esforço” ou por vocação.
Como não há posições privilegiadas para todos (e por isso mesmo
são privilegiadas), haverá uma concorrência entre os candidatos, onde
o(s) mais apto(s) vence(m). Uma exceção à regra são as notas escolares,
onde todos podem tirar a nota máxima, não havendo, portanto,
disputas pela nota entre os alunos/concorrentes, apenas a necessidade de cumprir as exigências
para alcançá-la, que é acertar todas as questões. Exemplos de
concorrência e meritocracia não faltam: alcançar a linha de
chegada antes dos demais, conquistar o primeiro lugar no Brasileirão,
conseguir a vaga no concurso público (algo bem brasileirão) ou
ganhar a faixa de rainha dos concursos de beleza. E as corridas
presidenciais? Também vale. E os nossos gostos e preferências? Sim
e sim, respectivamente!!!
O motivo de tanta inquietude com o tema é que, em diversos casos, a situação dos concorrentes é
desigual, devido principalmente às desigualdades sociais ou à
escolha de pessoas que não satisfazem as condições exigidas. Há
também o excesso de exigências ou exigências absurdas que
dificultam uma concorrência honrosa. Essas situações aparentemente desmerecem a
meritocracia a ponto de pessoas declararem que ela não existe. Bem, sobre a
“inexistência”, que tal trocarmos essa palavra por “ausência”?
Podemos dizer que a meritocracia é ou está ausente em determinados
casos, mas não que ela inexiste, como veremos!!!
Quando o mais apto é o
escolhido para uma posição privilegiada, podemos dizer que
meritocracia existe, não importando se para tanto se esforçou
muito, pouco ou teve alguma vantagem material, social ou genética. É
o caso de nossas preferências. Conquistar a sua, a nossa,
preferência é o objetivo de diversas empresas a ponto delas se
estapearem entre si. Muitas oferecerão seus produtos, mas só um ou
dois deles nos agradarão, e nunca paramos para pensar sobre os
privilégios ou as dificuldades que essas empresas tem para elaborar
esses produtos. A dona-de-casa não quer saber se a empresa que
fabrica seu sabão em pó favorito tem alguma vantagem sobre as
demais, e por isso pode oferecer um produto de qualidade
superior. Quando procuramos um profissional – digamos, um médico –
optamos pelo melhor, sempre que possível. Mesmo que nos perguntemos
(e nunca fazemos isso) se o tal profissional é melhor porque sua
família teve condições para financiar seus estudos, não trocamos
seus serviços pelos de um profissional menos qualificado que teve
uma infância pobre. Alguém já fez isso???
A concorrência é
desigual, é injusta? Sim. É como uma corrida de São Silvestre: tem
os corredores profissionais – que serão os vencedores – e
aqueles que não correrão cem metros, e há aqueles que só ficarão olhando, mesmo assim a Corrida de São
Silvestre é válida, não há privilégios e nem é criticada pela
disparidade entre os competidores. O ideal é que todos tivessem as
mesmas condições, como numa corrida profissional, mesmo assim,
haverá apenas um, dois ou três vencedores, os demais perderão –
MESMO QUE TODOS TENHAM AS MESMAS CONDIÇÕES e se esforçaram muito
para chegar lá. As condições sociais que favorecem os mais ricos
ajudam, mas só isso não faz deles os “vencedores”. Acho que
todos já tiveram algum coleguinha rico, mas que não dava a devida
atenção para os estudos, o que lhe valia notas baixas!!!
Outro caso citado para
provar que a meritocracia não existe são as indicações
profissionais baseadas não no mérito, mas por algum tipo de
apadrinhamento, o famoso “Q.I.”. Isso é ausência de
meritocracia, não sua inexistência. O resultado da opção pelo
“Q.I.” não é benéfica para a empresa justamente porque não
foi baseada no mérito, aliás, o próprio uso do acrônimo ironiza a
ausência da meritocracia, indicando que ao invés do Quociente de
Inteligência, temos o Quem Indica!!!
Mas e os favelados do
exemplo citado no começo? Eles assim são porque não se esforçaram
o suficiente? Primeiro, o esforço é a condição última, não a
primeira, para se sobressair sob os princípios da meritocracia. O
esforço deve ter uma direção, um objetivo, e só usado quando as
demais exigências forem cumpridas, caso contrário, a pessoa se
esforçará muito, mas obtendo resultados insatisfatórios. O esforço
seria o resultado de ineficiência, não de dedicação. A princípio,
uma das causas da favelização é justamente a falta um objetivo
maior dos mais pobres, talvez por reconhecerem que não terão
chances contra pessoas com melhores condições ou a própria falta dessas condições. Não se trata de uma
derrota, mas de não concorrer, e quem não concorre... !!! Uma outra causa são
as exigências (ou regras, numa linguagem de jogo) descabidas,
típicas de nossa burocracia insana. Quanto mais e descabidas regras,
mais “perdedores” teremos!!!
Meritocracia, portanto,
existe, mas está ausente em diversas situações. E sim, você não apenas está sujeito às regras do jogo sob condições meio injustas, mas também faz o jogo, faz empresas brigarem
entre si para te oferecerem os melhores produtos e serviços, não te interessando suas condições de produção. A
meritocracia pode ser injusta, mas nesse sentido, você também é.
Todos somos!!!
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