terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A Ficção Possível

Vou falar sobre ficção científica, ou melhor, de uma certa categoria de ficção científica que podem nos forçar a rever nossas certezas do que é realista ou não. Alguns exemplos que citarei não são precisamente “científicos”, mas são quase tão inverossímeis quanto uma arma de pulso eletromagnético disparada por piratas somalis.


Imaginar como será o futuro sob a ótica da ciência e tecnologia é uma extensão do velho anseio da humanidade em saber o que nos espera pela frente. Esse tipo de expectativa do futuro vem desde Julio Verne, quiçá da Grécia antiga ou de Gilgamesh. Mas a ficção que vou falar não é sobre um modo de vida futuro, mas da ficção científica ambientada no presente, algo ainda mais fascinante porque ninguém pode garantir que seja de fato ficção.


O filme Matrix deu uma pequena inovada na ficção científica, grudando na parede nossas certezas: embora a história se passa no futuro, é possível sim que estejamos vivendo numa Matrix. Da mesma forma que a humanidade presa na Matrix jamais admitiria tal possibilidade, nós também não. Embora o filme sacudiu essa nossa certeza, antes dele, outros filmes e romances levantaram isso mais sutilmente.


Filmes sobre viagens no tempo são os melhores exemplos. Qualquer um de nós negaria que isso seja possível. Algo inverossímel, diriam uns. Ninguém admite essa possibilidade da mesma forma que a humanidade desse universo paralelo que são os filmes negaria, mas os personagens principais desses mesmos filmes mostraram que ao menos ali era possível. O filme De Volta Para O Futuro é um bom exemplo: quem no filme, além de Marty Mcfly e o Dr. Emmett Brown sabia que a viagem no tempo era possível? Um exemplo ainda mais inquietante: o filme Um Século em 43 Minutos (Time After Time) onde ninguém menos que H.G.Wells viaja para o seu futuro (o nosso presente) a partir do século XIX. E mesmo no século XX do filme, a viagem no tempo era visto como algo impossível, a ponto de sua máquina virar peça de museu, sem saberem que ela realmente funcionava.


Mas o que me motivou a escrever sobre isso foram as opiniões nesse tema a respeito dos filmes de James Bond/007, da qual sou um fã de carteirinha. É comum ouvir que os filmes antes do inconveniente reboot eram irrealistas. Não acho totalmente, ou pelo menos, dou-lhes o benefício da dúvida, como nos exemplos acima. Meros mortais querendo dominar o mundo, ou extorqui-lo ou manipulá-lo?! Impossível, diriam. O restante da humanidade que não aparece no filme diriam isso mesmo. Será mesmo impossível um bilionário engenhoso e muito ambicioso tentar dominar o mundo e ter seus planos frustados por um agente secreto que obviamente ninguém sabe de sua existência e de seus atos? Acho que não, embora seja improvável...ou não.


Uma cena clássica dessa mesma série, que fomenta esse tipo de comentário é a do carro submarino de 007 O Espião Que Me Amava. Ninguém nunca viu algo assim, nem mesmo os atônitos banhistas do filme que em seguida viram o carro saindo do mar. Até então, a opinião dos banhistas era a mesma que a nossa: esse tipo de coisa não existe, até porque esse tipo de invenção seria de uso exclusivo e ultra-secreto, ou seja, é para todos negarem sua existência mesmo.


Numa época em que extra-terrestres, armas que bagunçam o clima e falhas geológicas, e até “sereias” constituem a ficção da vida real – que pode ser real ou não – porque consideramos como pura ficção coisas como viagem no tempo, ou carros com banco ejetor, ou mesmo uma dimensão paralela onde existem lindos unicórnios? Existe ficção possível e ficção impossível. O que é meio difícil para nós, leigos, é fazer essa separação. O bule voador do Richard Dawkins, por exemplo, seria algo plausível como um lixo espacial largado por algum cosmonauta russo descuidado, a menos que na gravidade zero seja impossível ingerir líquido num bule...


Levantar possibilidades não é criar certezas. O problema é quando "certezas" transformam fatos em ficção e ficção em fatos.

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